domingo, 1 de novembro de 2015

Antero de Quental

Antero Tarquínio de Quental


18/04/1842    a    11/09/1891


O grandessíssimo e nobre coração português, idealista, modernista, revolucionário, Antero Tarquínio de Quental, se suicida no dia 11 de setembro de 1891 na cidade de Ponta Delgada. 

Defendeu a liberdade de pensamento dos novos escritores dos anos 70 tendo tido como um líder intelectual que iniciou o realismo em seu país. As suas obras se misturam entre poesia e reflexão filosófica. 

Seu nome sempre se destacará quando eu lembrar dos poetas portugueses. Pois atormentado no antro de seu sentimento, duelando com sua existência em profunda depressão fez seus mais grandiosos poemas no qual a maioria deles leio como se viessem por completo de meu interior.


Segue aqui quatro poemas de Antero de Quental, “Sonetos”.


Entre Sombras
Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim 
— A noite desce, desfolhando as rosas — 
Vem ter comigo, ás horas duvidosas, 
Uma visão, com asas de cetim... 

Pousa de leve a delicada mão 
— Rescende amena a noite sossegada — 
Pousa a mão compassiva e perfumada 
Sobre o meu dolorido coração... 

E diz-me essa visão compadecida 
— Ha suspiros no espaço vaporoso — 
Diz-me: Porque é que choras silencioso? 
Porque é tão erma e triste a tua vida? 

Vem comigo! Embalado nos meus braços 
— Na noite funda ha um silencio santo — 
N'um sonho feito só de luz e encanto 
Transporás a dormir esses espaços... 

Porque eu habito a região distante 
— A noite exala uma doçura infinda — 
Onde ainda se crê e se ama ainda, 
Onde uma aurora igual brilha constante... 

Habito ali, e tu virás comigo 
— Palpita a noite n'um clarão que ofusca — 
Porque eu venho de longe, em tua busca, 
Trazer-te paz e alivio, pobre amigo... 

Assim me fala essa visão noturna 
— No vago espaço há vozes dolorosas — 
São as suas palavras carinhosas 
Agua correndo em cristalina urna... 

Mas eu escuto-a imóvel, sonolento 
— A noite verte um desconsolo imenso — 
Sinto nos membros como um chumbo denso, 
E mudo e tenebroso o pensamento... 

Fito-a, n'um pasmo doloroso absorto 
— A noite é erma como campa enorme — 
Fito-a com olhos turvos de quem dorme 
E respondo: Bem sabes que estou morto! 

Antero de Quental, “Sonetos”

Palavras d'um Certo Morto
Há mil anos, e mais, que aqui estou morto, 
Posto sobre um rochedo, à chuva e ao vento: 
Não há como eu espectro macilento, 
Nem mais disforme que eu nenhum aborto... 

Só o espírito vive: vela absorto 
N'um fixo, inexorável pensamento: 
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento 
É isto só... do resto não me importo... 

Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia, 
Um dia só — no outro, a Idolatria 
Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me. 

Como se eu fosse alguém! como se a Vida 
Podesse ser alguém! — logo em seguida 
Disseram que era um Deus... e amortalharam-me! 

Antero de Quental,"Sonetos"

Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo 
Adormeço um momento, e que inclinados 
Sobre os meus sonos curtos e cansados 
Me encheis as noites de agonia e susto!... 

De que me vale a mim ser puro e justo, 
E entre combates sempre renovados 
Disputar dia a dia à mão dos Fados 
Uma parcela do saber augusto, 

Se a minh'alma há-de ver, sobre si fitos, 
Sempre esses olhos trágicos, malditos! 
Se até dormindo, com angústia imensa, 

Bem os sinto verter sobre o meu leito, 
Uma a uma verter sobre o meu peito 
As lágrimas geladas da descrença! 

Antero de Quental, “Sonetos”

O que Diz a Morte
Deixai-os vir a mim, os que lidaram; 
Deixai-os vir a mim, os que padecem; 
E os que cheios de mágoa e tédio encaram 
As próprias obras vãs, de que escarnecem... 

Em mim, os Sofrimentos que não saram, 
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem. 
As torrentes da Dor, que nunca param, 
Como num mar, em mim desaparecem. - 

Assim a Morte diz. Verbo velado, 
Silencioso intérprete sagrado 
Das cousas invisíveis, muda e fria, 

É, na sua mudez, mais retumbante 
Que o clamoroso mar; mais rutilante, 
Na sua noite, do que a luz do dia. 

Antero de Quental, “Sonetos”

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